domingo, 20 de janeiro de 2008

Guardador de Rebanhos XXI



Se eu pudesse trincar a terra toda
E sentir-lhe um paladar,
Seria mais feliz um momento...
Mas eu nem sempre quero ser feliz.
É preciso ser de vez em quando infeliz
Para se poder ser natural...
Nem tudo é dias de sol,
E a chuva, quando falta muito, pede-se.
Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
Naturalmente, como quem não estranha
Que haja montanhas e planícies
E que haja rochedos e erva...
O que é preciso é ser-se natural e calmo
Na felicidade ou na infelicidade,
Sentir como quem olha,
Pensar como quem anda,
E quando se vai morrer,
lembrar-se de que o dia morre,
E que o poente é belo e é bela a noite que fica...
Assim é e assim seja...
Alberto Caeiro

Alberto Caeiro

O heterónimo de Fernando Pessoa, Alberto Caeiro é o poeta-pastor que vive feliz no meio do seu rebanho, contemplando as flores, os campos, o sol, a água, e que sente a frescura cheirosa da terra.
Fortemente ligado á natureza, Alberto Caeiro recusa saber do passado e do futuro, pois tal acto levá-lo-á a 'atraiçoá-lo'. Não existindo, para Caeiro, nem passado nem futuro, é natural que este se encontre perdido, duvidando do seu próprio eu.
"Caeiro limita-se a existir, tendo nos lábios o sorriso que se atribui em verso às coisas inanimadas e belas, só porque nos agradam - um sorriso de existir e não de nos falar!"
Diz “pensem que sou uma cousa natural”, pois vê-se como um simples elemento da natureza, “um animal humano que a natureza produziu”.
Homem de visão ingénua e instintiva, defende que os órgãos dos sentidos são os canalizadores de todas as percepções.
O autor de “O guardador de rebanhos” considera-se “antimetafísico” (só acredita no que vê), recusa-se a interpretar o real recorrendo à inteligência, porque esse tipo de interpretação reduz “as coisas a simples conceitos vazios” não vê as coisas senão como elas se apresentam. “As coisas são o único sentido oculto das coisas”.
É considerado o mestre, por ter conseguido escrever trinta e tantos poemas a fio.
A sua poesia é, de facto, sensacionista, pois privilegia as sensações como a única verdade do mundo, em oposição ao pensamento. Diz “Pensar incómoda como andar á chuva”, e ainda “pensar é estar doente dos olhos”.
Para ele, a criança é o símbolo supremo da vida, querendo desaprender o quanto lhe foi convencionalmente imposto, “raspar a tinta com que [lhe] pintaram os sentidos”. Vê as coisas como uma criança: “nascido a cada momento para a eterna novidade do mundo”.
Em suma, uma arte de ser, inteiramente desligado dos valores culturais, pretendeu, sobretudo, ser.

Fernando Pessoa Heterónimo

Os heterónimos são resposta à necessidade de expressão de uma multiplicidade contraditória e avassaladora de sentimentos e ideias.
Os heterónimos são pessoas fictícias que se identificam com o autor ou são formas de ‘mostrar’ como ele gostaria de ser.
Fernando Pessoa teve muitos heterónimos, os mais importantes são : Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos.

domingo, 13 de janeiro de 2008

Guardador de Rebanhos IX


Sou um guardador de rebanhos.
O rebanho é os meus pensamentos
E os meus pensamentos são todos sensações.
Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e os pés
E com o nariz e a boca.
Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la
E comer um fruto é saber-lhe o sentido.
Por isso quando num dia de calor
Me sinto triste de gozá-lo tanto,
E me deito ao comprido na erva,
E fecho os olhos quentes,
Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,
Sei a verdade e sou feliz.
Alberto Caeiro